Touch nos carros tem futuro?

A possível volta dos botões físicos nos automóveis e uma conversa com um engenheiro na Alemanha

Em minha empresa de consultoria em design e experiência do usuário (UX), recebo e avalio ofertas de aplicativos, sistemas e softwares regularmente como parte de minhas tarefas profissionais. Essa atividade também se estende naturalmente ao dia-a-dia ¹ . Sou um avaliador. Instintivamente, qualifico e analisa tudo aquilo que possui uma interface de usuário ou apresenta uma interação humano-máquina, de painéis de elevadores a jogos eletrônicos, do Alexa Echo que reside em minha sala as portarias de edifícios. Algumas dessas interfaces são mais importantes do que outras: são as que interferem diretamente na vida humana. É o caso de hospitais, sistemas de saúde, aparelhos médicos e veículos, por exemplo.

Pois acontece que, recentemente, o designer-chefe da Volkswagen, Andreas Mindt, anunciou que a empresa passará a reintroduzir botões físicos em seus automóveis . Nos últimos anos, com a crescente digitalização dos recursos nos veículos e o aumento das dimensões das telas sensíveis ao toque , os botões tradicionais, teclas e alavancas vêm sendo substituídos por seus equivalentes virtuais. Alguns carros da Mercedes e da própria Volkswagen possuem controles touch no volante, o que faz com que sejam acionados acidentalmente com relativa facilidade. Alguns dos modelos da Tesla transformaram o indicador de conversão, o comando para acionar o limpador de para-brisa e até mesmo o câmbio automático em comandos de toque.

Nunca mais cometeremos esse erro. (…) Não é um telefone: é um carro.

A declaração de Mindt é contundente: "Nunca mais cometeremos esse erro. Teremos botões físicos no volante. (...) Não é um telefone: é um carro". Ela vem de uma parte do mundo conhecida como uma das líderes do mercado automobilístico mundial. Suas marcas são referência e objeto de desejo para pessoas no mundo inteiro: Volkswagen, Audi, Porsche, BMW, Mercedes-Benz. Também a coreana Hyundai já havia se manifestado contra essa tendência por motivos de segurança . A revista sueca de automobilismo Vi Bilägare realizou um estudo rigoroso com onze modelos de automóveis e descobriu que o tempo de resposta do motorista para realizar tarefas básicas é muito maior nos painéis com telas sensíveis ao toque do que utilizam os controles manuais tradicionais. Só para lembrar, são da Suécia as marcas Saab, Scania e Volvo. Parece que todos estão de olho nos problemas trazidos pela “onda touch”.

Mas, afinal, por que acontecerão essas mudanças? Descobrimos, aqui e ali, algumas justificativas que envolvem uma certa tendência para um design mais “limpo” nos interiores dos carros modernos, principalmente os elétricos. Também é apontada uma suposta facilidade de atualização via software. Será também uma tentativa de associar painéis lisos a uma certa “modernidade digital”? Um automóvel passaria a ser, nesse caso, uma espécie de tablet sobre rodas, um smartphone ambulante. Existe até um modelo de carro que utiliza uma “ bola de cristal ” para acionar o câmbio automático. Não é difícil imaginar onde vai essa tendência. Guarda-roupas com telas sensíveis ao toque. Aparelhos de musculação touch. Toque de guarda-chuvas. Copos. Escovas de dentes. Já está apostando.

Voltando aos carros, a tendência é tão preocupante que o NCAP, o programa europeu para avaliação de novos automóveis, passará a exigir, a partir de 2026, que os novos automóveis possuam controles físicos para cinco funções básicas de forma a obter avaliação máxima .

Quais são os fatores que tornam os controles tradicionais mais adequados do que seus equivalentes virtuais? Estudos acadêmicos foram demonstrados sistematicamente, há décadas, que os controles físicos são mais rápidos de operar, apresentados de menor tempo de fixação visual e são mais simples de aprender do que os das telas. Eles podem ser manipulados com a mão e fornecer feedback tátil sem a necessidade de serem visualizados. Por que, então, uma mudança?

Para subsidiar melhor este artigo, tive a satisfação de trocar ideias com o engenheiro Peter Habermehl, que trabalha como gerente na IAV , empresa alemã de alta tecnologia cujos clientes incluem a própria VW, além de BMW, Ford, GM, Toyota, Porsche e outros grandes nomes da indústria automobilística. Aqui vai a entrevista:

Você possui muitos anos de experiência na área automotiva. Na sua opinião, quais poderiam ser os motivos que levaram os designers e/ou engenheiros a transferir funções do carro dos controles físicos para as telas sensíveis ao toque?

Habermehl: Na minha opinião, há dois fatores principais. Primeiro, há uma pressão muito alta para inovar. Com os fabricantes tradicionais de um lado e a concorrência altamente inovadora e prejudicial, especialmente da Ásia, é preciso oferecer recursos de destaque. Quando a Tesla colocou uma enorme tela touch em produção em massa, tudo o mais começou a parecer antiquado… Em segundo lugar, se você já tem essa tela grande para funções de infotainment (informação e entretenimento) e navegação, ela já está lá. Considerando a necessidade extrema de reduzir custos, é lógico transferir o máximo de funções possíveis do hardware para o software.

Mesmo um simples botão físico tem um custo por peça. Se você vende um milhão de carros, precisa adquirir um milhão de botões. Se você integrar essa função na UI (interface de usuário) da tela touch, há um custo inicial de design e desenvolvimento, mas, depois que o automóvel entra em produção, não há personalizado unitário.

O que mais incomodou você nessas substituições nos últimos anos e por quê?

Habermehl: A maioria dos controles touch não oferece feedback háptico (resposta tátil). Muitas vezes é necessário olhar para acertar o local correto, mesmo que você já tenha uma noção de onde está determinada área de toque. Os controles de toque costumam distrair muito. Você precisa pensar e, provavelmente, olhar para eles. Se as funções estiverem agrupadas em estruturas hierárquicas, você poderá levar ainda mais tempo para localizar a função desejada. A 130 km/h, escolher sua música favorita pode ser potencialmente fatal.

Há pouco tempo aluguei um carro e me apaixonei por que havia apenas dois botões para vidros elétricos em um veículo de quatro portas. No início, consegui que as janelas traseiras fossem manuais para reduzir custos, mas depois descobri que havia uma função para trocar entre os vidros dianteiros e traseiros, e era uma área de toque difícil de achar sem olhar diretamente para ela.

A 130 km/h, escolher sua música favorita pode ser potencialmente fatal.

Você teria alguma recomendação especial para as montadoras sobre a implementação de novos controles no futuro, para que não cometam os mesmos erros novamente?

Habermehl: Acredito que a operação deve ser intuitiva. Estou pensando na disposição dos botões, por exemplo. Em meados da década de 90, o Volvo, por exemplo, possuía um painel de controle do HVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado) onde os botões eram organizados no formato de um passageiro sentado. Você não adivinhar qual botão apertar para direcionar o ar para uma área específica.

É claro que essa mesma disposição poderia ser replicada em uma interface touch. Mas daí você teria que olhar para a tela para acertar a área correta. Com botões físicos você pode sentir onde está sem desviar os olhos da estrada. Meu carro atual tem quatro maneiras de controlar o volume do sistema de infotainment. Há botões físicos no volante. Há botões de toque na tela principal. Há controle por voz. Há um pequeno logotipo de discagem abaixo do apoio do braço da mão direita. Qual deles é o mais utilizado? O dial, porque você não precisa nem pensar nele. Ele está exatamente no lugar certo, você o sente imediatamente sem precisar olhar para ele, e ele simplesmente funciona. Em segundo lugar vêm os botões no volante, pois também podem ser identificados pelo tato e estão localizados bem ao alcance da mão.

Acredito que muitos clientes pensam de forma semelhante. Portanto, minha melhor recomendação seria criar protótipos dos controles e fazer com que o maior número possível de pessoas “comuns” pudessem testá-los e avaliá-los. Grandes telas touch são modernas e inovadoras, mas eu apostaria que a maioria dos clientes prefere controles de verdade.

O entrevistado mostra que é perfeitamente possível aliar pontos de vista eminentemente práticos a conhecimentos profissionais de como funcionam as principais necessidades dos usuários e motoristas. Ele também corroborou minhas próprias opiniões como motorista e como profissional. (Pode parecer paradoxal que um profissional que vive de projetar interfaces digitais defenda a permanência de botões físicos nos carros, mas a área de UX rotineiramente inclui equipamentos com controles físicos, como PDVs, self-checkouts e terminais de pagamento.) Designers de produto sabem que, para uma ótima experiência do usuário, é necessário aliar à estética a ergonomia, funcionalidade e muitos outros aspectos. Quando há riscos envolvidos e operações perigosas como ocorrem com automóveis, no entanto, fica fácil determinar os três fatores de projeto mais importantes: segurança, segurança e proteção.

[1] Não por acaso, essa é a expressão utilizada na obra seminal de Donald Norman que estabelece que as falhas na utilização dos produtos são causadas por aqueles que os projetam.


Publicação original: 'Touch nos carros tem futuro?', no Medium. Autoria de Rubem Pechansky, diretor da Hypervisual.

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