O especialista Rubem Pechansky ensina como as empresas devem incorporar efetivamente a cultura da experiência em seus produtos
Este blog nasceu com o propósito de abordar o tema Experiência do Usuário (UX) sob diversos aspectos. Muitos artigos discorrem sobre o assunto de várias formas, fazendo correlações com o nosso dia a dia. Neste artigo, resolvi retornar às origens e entrevistar o especialista na área Rubem Pechansky, aprofundando os conceitos de UX com o intuito de trazer reflexões e também informações que possam ser aplicadas diretamente no negócio.
Com mais de 35 anos de mercado, Pechansky é Mestre em Design e Tecnologia pela UFRGS. Com atuação e prêmios no Brasil e exterior, atuou como professor em cursos de graduação e pós-graduação em instituições como UniRitter, ESPM e PUCRS. Atualmente é diretor da Hypervisual Design de Interação, estando à frente de centenas de projetos para clientes como Tramontina, thyssenkrupp e Panvel. É também desenvolvedor de software com ênfase em front-end, o que possibilita um olhar integrado para as soluções projetadas. Confira a seguir.
Por que se fala tanto em experiência do usuário nos dias de hoje?
Essa é uma conquista recente. O pensamento tradicional entre as empresas de software, desenvolvedores e outros profissionais de TI diz que um sistema (ou aplicativo móvel) deve ser desenvolvido seguindo uma série de requisitos formais e especificações técnicas. Uma vez que o sistema está em funcionamento, o treinamento serve para que os usuários sejam capacitados a utilizá-lo e o suporte técnico deve resolver as demandas dos clientes. À primeira vista isso parece fazer bastante sentido e, de fato, essa é a cultura vigente na grande maioria das empresas nacionais, que acreditam que os usuários devem se adaptar a esses padrões. Afinal, se para dirigir um automóvel o candidato a condutor deve fazer um curso de capacitação e prestar um exame adequado, então é justo que um usuário deva ser treinado. Certo? Errado. Esse pensamento vem da época dos mainframes (antigos computadores de grande porte dos anos 1960), quando os usuários eram poucos e tinham o mesmo treinamento que os desenvolvedores. Essa visão já está ultrapassada há décadas — desde a popularização das interfaces gráficas para computadores, no início dos anos 1990 — e foi definitivamente enterrada em 2007, quando a Apple lançou o iPhone no mercado mundial. De repente milhões de pessoas passaram a levar um computador no bolso e a qualidade da experiência era o que contava. O resto é história. Hoje sabemos que, num mercado ultra-competitivo e com consumidores cada vez mais exigentes, devemos inverter nossa perspectiva: o foco é o usuário, e o produto é que deve ser adaptado a ele. Ainda temos muito caminho pela frente.
Como a maioria das empresas está lidando com esse tema em seus produtos e sistemas digitais?
Hoje, quem não entende o quanto são fundamentais os pontos de vista expostos na resposta anterior (que não são só meus, aliás) está sofrendo as consequências disso. A dobradinha UX/UI (experiência do usuário e interface de usuário, expressões que se popularizaram rapidamente e que devem ser melhor explicadas em outro contexto) virou moda, mas há muitas empresas que só colocam o termo no site promocional do produto e não sabem muito bem o que significa. Na realidade esses conceitos partem do entendimento que o usuário é o foco e o produto é feito para facilitar a vida dele. Isso deve nortear todo o desenvolvimento do sistema ou aplicativo, desde sua concepção até a testagem. Infelizmente a maior parte das empresas passa rapidamente por essas questões, porque abordá-las com seriedade implica fazer revisões no mindset, mexer no DNA corporativo, realizar treinamento de equipe e outras coisas que podem fazer as pessoas saírem de suas zonas de conforto. Por outro lado, há uma nova safra de empresas que estão lidando bem com isso, até porque já nascem pensando no que os usuários querem. Essas são as que conquistam clientes mais rapidamente, as mais competitivas no mercado atual e também as mais admiradas. São também as que deverão sobreviver a longo prazo; as outras estão condenadas a mudar ou desaparecer.
E por que lidam com esse tema dessa forma?
É mais cômodo. Talvez seja um pensamento do tipo “sempre fizemos assim, por que mudar?”. Ficar como está também aparenta ser mais econômico em um primeiro momento, já que a atualização tecnológica, ampliação de staff, qualificação de equipe e contratação de uma assessoria especializada são investimentos que custam dinheiro. O que o empresário muitas vezes não percebe é que essa aparente economia pode esconder um custo muito alto que já pode estar corroendo os negócios. O suporte anda sobrecarregado, os desenvolvedores têm trabalho demais e os clientes exigem melhorias contínuas. Além disso, há a perda de mercado para produtos que proporcionam experiências superiores. A saída mais fácil é sempre atribuir esses problemas a fatores externos, mas o recomendável é fazer uma avaliação séria e pensar se não é hora de dar uma renovada na mentalidade da empresa. No processo de consultoria frequentemente aparece uma situação em que os profissionais da área de desenvolvimento querem essas melhorias, mas esbarram em dificuldades porque a alta gestão não proporciona o espaço e o tempo necessários a essas mudanças.
E por que lidam com esse tema dessa forma?
A primeira coisa a fazer, quando o empresário suspeita que essa é a situação existente em sua empresa, é fazer uma avaliação dos produtos. A área de UX (experiência do usuário) prevê várias formas de fazer isso, começando por uma avaliação informal — a mais acessível — que consiste em simplesmente perguntar a usuários reais o que eles acham do seu produto e ouvi-los com atenção. Mas ouvir bem é difícil, principalmente para aqueles que se orgulham de seus produtos e sentem que são os “pais da criança”. Os bons profissionais da área de UX são preparados tanto para formular as perguntas quanto para obter resultados a partir das respostas, e isso deve ser considerado também. Para certos produtos muito problemáticos e pouco amigáveis, no entanto, os testes com usuários reais não são tão eficazes. Um designer de UX bem treinado é capaz de identificar rapidamente as áreas mais críticas, avaliar o produto e sugerir boas soluções. Seja como for, o empresário deve entender que a avaliação é positiva para o negócio e se beneficiar dela. A seguir deve ser desenhado um plano de ação, que às vezes pode ser doloroso porque vai mexer em áreas importantes, mas que pode ser necessário para que a empresa continue tendo sucesso. Esse plano deve ser aprovado por todos os stakeholders e executado com precisão. Produtos novos surgem todos os dias e o mercado se movimenta muito rapidamente. Quem não souber adaptar sua mentalidade e melhorar seus produtos na mesma velocidade vai ficar para trás.
Artigo da diretora da Hypervisual, Letícia Polydoro. Leia este e outros artigos na integra no Blog A Vez da Experiência no portal do Grupo Amanhã.